Psicoterapia: um processo de mudança
Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. Estas palavras de Jung resumem o que um/a psicoterapeuta deve ser e fazer. Partindo deste pressuposto, o que se pode esperar do processo psicoterapêutico?
Por vezes, na sua primeira consulta de psicologia as pessoas dizem "não sei como isto funciona", "e agora? por onde começo?", "Quer que comece a falar da minha infância?", "oriente-me, pois é a minha primeira vez em terapia ", "Pensava que não iria saber o que dizer".
Há quem tenha passado por vários processos terapêuticos e apareça "com a matéria estudada" e depois do seu relato (o qual partilharam várias vezes na sua caminhada terapêutica) e, por vezes, com (auto)diagnóstico nas mãos, dizem "... e é isto. Como me pode ajudar?", "Queria que me aconselhasse", "acho que isto (nomeia) é o melhor para mim. O que acha?", "já tentei tudo e nada resulta". Para estas pessoas, muitas vezes é como se já estivessem no fim da linha, no seu último recurso. As expectativas estão muito altas ou muito baixas face a este novo (último) processo.
Independentemente das perguntas, dos receios e dos anseios, todas as consultas são diferentes, todos os processos são diferentes. E porquê? Porque lidamos com pessoas únicas, que vivenciam os seus contextos do seu modo, vivenciam as suas emoções do seu modo, pensam a sua vida do seu modo. Em comum têm a força e a coragem de pedir ajuda e de se permitirem mudar as suas vidas.
Na primeira consulta, o/a psicólogo/a precisa de conhecer a pessoa, os seus desafios, as suas motivações, os seus recursos e os seus objectivos. Às vezes pode parecer um verdadeiro interrogatório. Contudo, as perguntas que são colocadas têm o intuito de alcançar entendimento e ao mesmo tempo de criar uma relação terapêutica. É um momento de avaliação para o/a profissional e, ao mesmo tempo, para a pessoa. A empatia é fundamental. A pessoa vai conhecer aquele/a profissional e decidir se esta será a pessoa mais indicada para a ajudar.
À medida que a primeira consulta avança, por vezes fazem-se perguntas que conduzem a reflexões, insights, mudanças de perspectiva que não se estava à espera que acontecessem logo num primeiro encontro. Fazem-se perguntas paras as quais a pessoa ainda não encontrou uma resposta. Fazem-se perguntas pertinentes, mas difíceis. A terapia está, assim, em curso.
Na realidade, o processo psicoterapêutico inicia no momento em que aquelas duas pessoas se vêm/falam pela primeira vez em consulta/telefone.
Há quem diga que falar com uma pessoa estranha é mais fácil do que com uma pessoa conhecida. Há quem diga o oposto. O respeito, a aceitação, a empatia, a escuta activa são aspectos cruciais em psicoterapia. O/a bom/boa profissional adapta-se, ajusta-se e também reconhece os seus limites. É nesse respeito pela pessoa, que normalmente se sente num momento de maior fragilidade da sua vida, que assenta o processo psicoterapêutico.
Depois, pode dar-se continuidade a um processo de avaliação exaustivo e encontrar-se um diagnóstico. Penso que mais importante do que ter um diagnóstico, é ver com a pessoa o que ela precisa, o que ela quer para si e para a sua vida. As pessoas são mais do que um rótulo, do que um diagnóstico. Este último, no entanto, dá-nos um enquadramento, conduz-nos a um modelo explicativo e leva-nos a um caminho. Ele é importante, assim como é fundamental olhar para o "todo". O/A psicólogo/a traça um caminho psicoterapêutico, apresenta uma proposta, explica-a, fundamenta-a, reajusta-a sempre que necessário e convida a pessoa a envolver-se neste processo. É o SEU processo de mudança e, por isso, é importante que conheça o plano, que o esclareça, que o questione, que o ajuste e que o implemente. A ACÇÃO é fundamental.
O processo psicoterapêutico é um trabalho em equipa onde a comunicação, a partilha, a confiança são importantes. É um processo porque passa por várias etapas. Requer tempo. Tempo para reflectir, tempo para integrar, tempo para agir, tempo para mudar. Esse tempo é variável e depende de vários factores (da pessoa, dos seus contextos de vida, da proposta psicoterapêutica, do/a profissional, entre outros).
Nas consultas seguintes, fazem-se pontos de situação, (re)avalia-se, (re)definem-se caminhos, tempos, estratégias, promove-se o auto-conhecimento, a tomada de consciência, examinam-se resultados, chega-se a conclusões, fazem-se ensaios, fazem-se visualizações, acede-se à mente inconsciente (com a hipnose, por exemplo), ressignifica-se, perdoa-se, aceita-se... São várias as estratégias, os caminhos. E nessas consultas, as bases do processo devem continuar presentes: a empatia, a escuta activa, o respeito, a aceitação... Enquanto profissionais somos dotados/as de conhecimentos, de técnicas, de experiência, mas não podemos impor caminhos, nem tempos. É o respeito pelas capacidades naturais e de desenvolvimento da pessoa que torna cada processo especial.
Muitas vezes pessoas amigas e familiares dizem às pessoas que estão em processo: "não precisavas de ir ao/à psicólogo/a para te dizerem algo que também eu posso dizer", "é só conversa, e conselhos? o que te disse?". A diferença entre o/a psicólogo/a e as pessoas mais próximas é que estas últimas aconselham, incentivam a pessoa a fazer ou a escolher o que aos seus olhos faz sentido. Têm uma opinião sobre a pessoa e é com base nela que dão o seu feedback. Em suma, são parciais. A sua intenção é positiva, mas não é o mesmo que psicoterapia. Em psicoterapia, a pessoa é convidada a chegar às suas próprias conclusões. As perguntas, as afirmações são neutras e não contemplam o "mapa-mundo" do/a profissional (pelo menos não devem contemplar). No espaço da consulta a pessoa pode partilhar o que lhe vai alma, sem ser julgada por isso. Há pensamentos que nos assolam e que ao falarmos deles podemos não ser entendidos/as ou podemos trazer preocupações a terceiros/as e não queremos isso. Com o/a psicólogo/a espera-se que tal não seja um problema.
Às vezes dizem-nos: "já deve ter ouvido de tudo". Sim, já ouvimos de tudo um pouco e, mesmo assim, interessa-nos, e muito, ouvir o que aquela pessoa pensa e sente, porque naquele momento, naquela consulta é o que mais importa.
Somos facilitadores/as de processos. Somos facilitadores/as de mudanças. Quem percorre o caminho é a pessoa. É muito interessante recordar aquela primeira consulta e compará-la com aquela consulta em que a pessoa, a partir daí, faz o seu voo de liberdade, sozinha, segura, confiante, feliz, sem necessidade de regressar ao ninho e, ao mesmo tempo, sabendo que se precisar, poderá voltar para sossegar a alma.
Lília Andrade
Psicóloga e Hipnoterapeuta Clínica
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